segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Canto

Estou sempre ali! Sempre á espera que venhas, para te ver uma última vez, antes de remar até casa. Sei que o oceano que até lá me leva, me pode mergulhar nas suas águas profundas e de finais incógnitos, e não voltaria a ver-te. Não correrei esse risco!
Aquele canto, sem nome, sem identidade, tem-se tornado o meu canto, o nosso canto, a testemunha do meu tédio e da minha dor romanesca. É incrível, como nunca me canso de sofrer ainda que os meus lábios sorriam, ainda que os meus olhos brilhem e mesmo, ainda que pensem que é impossível que me veja envolvida numa trama de tal enormidade! Aquele sítio, lugar, ao qual chamo “canto”, coberto por uma camada espessa de cimento e azulejo uniforme, protege-me das tempestades e do frio, que teima em me congelar. O vento sussurra-me ao ouvido, de um lado ao outro do largo corredor, enquanto eu, sentada e encostada a um recanto, penso numa maneira de te ter e numa forma de te dizer aquilo, que á muito te quero revelar. Ás vezes, sozinha, de cabeça nos joelhos, e de caneta na mão, escrevo-te mensagens nas paredes de azulejo, realçando o tom negro e escuro com o azulejo nem azul pálido nem cinzento gasto! Nunca as leste! Sei que nunca as lerás! Mas mesmo assim, insisto em passar-te a mensagem de que para mim, existes, ainda que para outros, possas não existir. No chão, vão vendo-se filtros de cigarros, fumados até ao limite, de tanta espera, de tanto sufoco da alma! A impotência de não fazer aquilo que quero e que desejo, faz com que o primeiro refúgio que se encontra, persista por fim. Talvez o seja mesmo. Talvez o refúgio dos cigarritos, seja a minha vontade, morrer mais cedo, para não ter de viver sem ti. Encostados a um canto, daquele canto ainda maior, concentram-se as fileiras de maços de tabaco, já vazios e calcinados pela gente, que diariamente passa por aquele túnel. Alguns, talvez, com os mesmos problemas que eu, ou ainda piores, e que pelo refugio que encontraram como eu, lançam discretamente os maços vazios ao chão, que com o vento, se arrastam até aos cantos. Muitos dos que ali passam, reconheço-os…daqui, dali, de mais algum lugar, mas quando por mim passam, vejo-os todos de igual para igual. Para mim, são simples pessoas, que implementando as suas próprias rotinas, apanham o caminho mais curto para suas casas. Se me perguntassem cinco segundos depois, quem por ali passara, não me lembraria! São todos uniformes, rotineiros, simples, gente comum, humana. Gente que para mim, nenhuma importância tem. Só tu! És tu, que me fazes passar horas a fio, a pensar na vida, na morte, na vida para além da morte. É por ti, que não faço o que quero, por saber, que talvez não seja o melhor. Ainda que desconheças este lugar, tem a tua essência, assim como uma forte ironia da alma, porque afinal de contas, está tão perto, quanto eu. Ele próprio se chama pelo teu nome, que eu deliberadamente, carreguei nas paredes…cinco letras…que têm persistido com o tempo! Nem o bater do vento, nem o desgaste da chuva, nem mesmo o incestuoso sol, se atrevem a profaná-lo…Sabem que tenho vingança escrito nas entranhas e que por uma letra que se consuma, terão mil letras que se assomam. Enfim…este meu refugio, acaba por ser a minha segunda casa! Sozinha, com um ombro amigo, ou simplesmente com alguém, é por ti, que passo nele grande parte do tempo que me resta.

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