segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Crónica de uma lágrima no Douro


Consumiu-me por dentro aquela sensação de fracasso, quando parti. Sabia que alguém faltava, onde, porém, não era suposto estar, ainda que viesse comigo no coração. Quando partimos, senti-me a boiar, num oceano que nem me deixa afogar, nem remar até á margem. O oceano, prendia-me como o destino, entre a espada e a parede. Embora, a espada se cravasse cada vez mais, até se esgotar por fim. Ao respirar, o ar percorria-me os pulmões, como se respirasse soluçante, sem rumo e sem fôlego. Percorria-os e rompia até ás veias, onde se envolvia no sangue quente e me intoxicava de pesar. Desta reacção química, resultaram lágrimas, que nunca cheguei a chorar, porque não era certo ou porque chorar é para os fracos. Mas eu choro por palavras e não por lágrimas. Então sou fraca? Não sou forte. Se o fosse, já tinha ultrapassado a parede á muito tempo, e a espada não estaria cravada em mim, forçando-me a deixar-me levar e a sofrer cada vez mais, com cada espetadela, duma espada que, para mim, a mim está destinada. A brisa do Douro, tocou-me de leve, fazendo esvoaçar os meus caracóis e dizendo-me que algo se esconde para mim, como se transportasse em matéria, os pensamentos e recordações, de um alguém longínquo. Senti-me uma Fúria, uma metade mulher/metade cão infernal mitológico, que domina o vento. Senti que todos estavam ausentes, pareciam moribundos, com coisas que para mim, naquele momento, eram inexactas e supérfluas. A paisagem do Douro, corrompendo as gentes de profundos esgotamentos e stress, esgotava-se num ponto central, o horizonte. O rio, corria esgotado e levemente pelas margens, de séculos e séculos de trabalho, sem nunca se pensar em serem pagas. O verde dominante, de jardins em flor, abraçava os enamorados, envolvendo-os ao ínfimo detalhe, numa bênção inesperada. As aves, pombas sobretudo, voavam em circulo, tentando acertar no rumo a seguir. Desciam, poisavam e voltavam para o bando circular, onde um macho superior, as esperava. Conforme caminhava, pensava na sorte que tenho em poder usufruir daquilo que ali se mostrava, sem o mínimo interesse se não se está com a pessoa certa. Com aquela pessoa, que apesar de cinzenta a paisagem, a tornava viva e colorida, como nem Roquemont a pintara. Naqueles traços, de quadros centenas de anos mais antigos de que os meus próprios progenitores, via esse alguém que não fazia ideia, do que fazia ou do que pensava no momento. Via na baronesa o seu rosto, no conde, a sua irónica expressão, nas crianças, o seu sentido de humor, em Roquemont, o seu sucesso, na escultura, a sua forma, ainda que esculpidos estivessem, Narciso ou o próprio Deus Sol, Apolo. Naquelas salas, todas cheias de historia, onde se contavam lendas e amores perdidos, daqueles que se retratavam, para sorrirem ou para serem eternos, angustiava me saber, que também eu tenho historia e que um dia alguém a contará, por mais simples e triste que seja.

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