segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Corpo Ardente


E encarei assim a morte. Podia sentir o cheiro daquele bafo incestuoso por entre as presenças. E a minha atençao revirou-se de imediato, para o corpo dormente, terreno, envolvido em sedas e outros cetins. A frieza com que encarei a situação, assustou-me. Parece que a perda não faz parte de mim, parece que me encara com respeito. A própria morte respeita-me. Aquelas velas, aquele clima de ardente pesar, enfeitiçavam como se se tratasse de pura bruxaria. E era tão esbelta, estava tão serena que parecia realmente estar dormente, envolvida no sono. A figura era-me familiar, mas estranhava-me. Eu estranhava-me a mim mesma. E pensava, pensava, em como somos uma ninharia neste mundo. As flores asfixiavam, dentro dos arranjos. Não havia oxigénio que respirar, estava tão pesado, que condensava. Chegavam sem cessar. Choravam, pediam, rezavam, e eu simplesmente, estranhava tudo aquilo. Simplesmente estava alheia, ausente. Vê-la, não me causava nem nausea nem dor. Apenas me fazia perceber, que a morte embora me respeitasse, tentava levar-me aos poucos. Tentava conquistar terreno, para mais tarde, dar inicio á batalha. E aquele meu achado, aquele bem-vindo de boa sorte, era na realidade um prenúncio de mau agouro. Um prego, parafuso ou outra gema qualquer! Estava claro que alguma coisa significaria, mas desconhecia que poderia ser tal coisa. Enquanto filhos, irmãos, netos, choravam por ela, eu revelava-me fria e não conseguia perceber porque choravam, rezavam ou porque reagiam de tal forma. A minha pele sentia-se quente, seca, sem lágrima alguma prestes a cair. E vi, a minha mãe chorava. Mas eu, não conseguia. Simplesmente, acho que não consigo sentir. E assustavam-me os santos, o sagrado coração, porque não me chamo católica. A própria faceta do altar, parecia envolver-me á força, como se fosse pecadora, como se pecasse. Deveras peco. Todos somos pecadores. Sentia-me realmente em casa. E sem querer acreditar, sentia-me bem com o sofrimento alheio. Sou cruel! Cruel eu sou. Depois, aquelas badaladas, como se anunciacem a vinda do messias, sentia-as dentro estremecer. Tremia-me a alma, a cada som.
Quando a fecharam para sempre, percebi que a imagem se deteriora, percebi que a recordação fica, não a pessoa. Contudo sabemos quem foi, isso já é importante.
Adeus tia! Até sempre!

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