segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Coagida


Era uma vez uma menina que virou mulher.
As primeiras coisas que se perderam foram a inocência, a infantil verdade e os cereais de manhã.
Fui deixando os hábitos, fui perdendo as virtudes, foram crescendo os defeitos e moldou-se a personalidade.
Nada resta dessa menina.
Mudo todos os dias, transformo-me a todo o instante, envergonho-me por me ter tornado na pessoa que sou hoje.
Perdi o jeito para o desenho.
Perdi o jeito para ser eu.
O eu que era e que queria reaver, tão dócil e puro.
Fui corrompida pelos vícios, pelas atitudes dos outros, pela moral emprestada.
Pedem-me coisas que não posso dar.
Pedes-me para me ter de volta mas quem tu pedes não sou eu.
O que eu era deu-te tudo, deu-te a pureza que precisavas, ofereceu-te uma possibilidade.
O que eu sou desiste facilmente.
Falhei-te.
Perdi também o ser ambiciosa, o ser perseverante, o lutar até mais não poder.
Sinto-me doente e coagida pelas lembranças a manter-me de pé.
No fundo, são elas que me agarram quando estou a cair, são elas que me mostram que poderá ainda ser possível.
São elas que me lembram que te amei e que continuo a fazê-lo embora agora não tenha forças para agir, não tenha vontade de falar, não possa compensar-te e trazer de volta a pessoa que tu realmente queres.
Não posso mais ser tua cúmplice se me debato comigo mesma.
Começa a procurar-me.
Será mais fácil.

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